O acampamento estava agitado naquela tarde de segunda-feira,
5 de junho de 1944. Nosso superior acabara de nos comunicar do plano de invasão
que seria executado no dia seguinte, logo cedo. Uma invasão que, provavelmente,
acabaria com a guerra. Isso deixava nervoso a todos no acampamento. Os mais
jovens com seus dezoito, dezenove anos, garotos em sua mais tenra juventude se
desesperavam. Alguns falavam em desertar, fugir por suas vidas antes que fosse
tarde. Outros se animavam com a idéia de servir a pátria, sem sequer
suspeitarem dos horrores da guerra. Os mais velhos faziam piadas para espantar
o medo. Muitos fumavam. E outros, como eu, apenas ficavam calados.
Aproveitávamos o tempo de sossego que ainda tínhamos.
Fomos para a cama cedo naquela noite, mas não conseguíamos
dormir. Pensávamos em nossas famílias e amigos, tão distantes em casa esperando
por notícias. Imaginávamos como seria o dia seguinte, se mataríamos ou seriamos
mortos, e quem, no fim do dia, iria se deitar para dormir novamente.
Acordamos cedo, antes do nascer do sol e entramos em barcos.
Olhei para o céu ainda escuro enquanto atravessávamos o canal da mancha.O barco
dava solavancos enquanto cortava as
ondas com seu casco de metal. Normalmente barcos me davam enjôo, mas hoje o
nervosismo era tanto que não tinha tempo nem cabeça para isso.
Todos nós temíamos por
nossas vidas e queríamos sair daquele caixa de metal infernal que nos levava em
direção à morte.Mesmo assim tentávamos permanecer imóveis e manter a calma.
Ao meu
redor, dezenas de soldados, quietos e tensos, segurando suas armas. Percebi que
o rapaz ao meu lado, um menino louro e franzino que - apesar de seus dezoito
anos, não aparentava ter mais que quinze- tremia violentamente com sua arma em
punho. Essa era a maior empreitada dos aliados desde o começo da guerra. Nossos
superiores ,em uma tentativa de nos encorajar, haviam dito que entraríamos para
a historia, mas todos sabíamos que a grande maioria de nós, iria morrer na
praia.
O sol
começou a nascer naquela fria manhã de terça-feira. Nos aproximamos da praia de
Saint Laurent e começamos a perceber o inferno ao nosso redor. Os aviões
alemães sobrevoavam nossa frota e lançavam suas bombas. Nós as ouvíamos
explodir em volta. Não sabíamos se nossos amigos nos outros barcos haviam sido
atingidos, e não sabíamos se seriamos os próximos.
Também
havia os tiros, que vinham das casamatas alemãs e que se faziam ouvir quando as
balas se chocavam com a parte da frente da embarcação. O barco parou. O rifle
tremeu em minhas mãos tanto quanto na do meu companheiro ao lado, então
segurei-o com mais força. Respirei fundo e pensei na morte que espreitava. A
frente do barco se abriu e uma rajada de balas entrou por ela, zunindo como
abelhas em nossos ouvidos, matando dezenas de companheiros, antes mesmo desses
saírem do barco. Aqueles que conseguiram, saltaram do barco para a água fria.
Nadei.
Ao sair da água batia o queixo de frio pelo contato com a água gelada e vi que
na praia, o horror já havia começado. Corpos de companheiros caídos se
espalhavam por toda a areia manchada de vermelho pelo sangue. Atirávamos com
nossas M1 Garand em direção aos inimigos que contra-atacavam com suas
metralhadoras e seus fuzis. Avancei e dei alguns tiros em direção a um inimigo.
Acertei um jovem alemão, talvez tão inexperiente quanto eu, na cabeça. Um nó se
formou em minha garganta, mas não havia tempo para sentir-me mal. Balas
continuavam a passar zunindo perto de mim. Pulei no chão e rastejei alguns
metros na areia fina. Então decidi me
levantar para que pudesse me posicionar para um bom tiro. Um erro bobo!
Enquanto eu mirava em um alemão que estava logo a minha frente, outro que eu
não havia visto e que estava a minha direita, atirou e me acertou. A bala de
seu fuzil atravessou o ar e atingiu-me no peito.
Cai de costas na fofa areia da praia. A M1 ao
meu lado. Levei a mão ao ferimento e senti o buraco em meu peito. Com muito
esforço, olhei para o sangue e, estranhamente, não me desesperei. Não sentia
dor, apenas dificuldade de respirar. Olhei para cima, para o céu cinzento. Os
sons de tiro e das bombas, me pareciam distantes agora. Levei a mão ao bolso da
calça e retirei minha carteira e de dentro desta tirei uma foto onde minha
esposa segurava nossa filha de três anos. Uma grossa lagrima rolou pela lateral
do meu rosto. Não chorava por minha morte eminente, mas por minha esposa agora
viúva e por nossa filha, que ficaria sem
o pai. Respirei o mais fundo que pude, e fechei meus olhos com uma ultima lagrima
correndo por meu rosto, minha mão desabou ao lado do corpo derrubando minha
preciosa foto na areia, e com a imagem delas em mente, eu, simplesmente, morri.